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Mostrando postagens de 2012

A Barbearia

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Costumava ir a uma barbearia, dessas bem tradicionais. Hoje em dia lugares assim são difíceis de encontrar – entraram em extinção nos anos 1990 graças ao metrossexual moderno e aos salões de beleza unissex. Imaginem então o quão grande foi minha felicidade quando numa tarde, voltando do almoço, deparei-me com uma dessas num cantinho esquecido, entre a Tijuca e a Praça da Bandeira.   Perto da porta um escudo do Vasco dividia espaço com um do América e adiante, dois homens compenetrados trabalhavam de jaleco branco. Tinha um piso xadrez, preto e branco, – nem de longe tão limpo quando dos salões de beleza – do tipo que se usava muito na década 1960, e uns bancos de couro com jornais e cadernos de esportes abertos. Nenhuma revista de fofoca. Sobre ele, um gato branco e muito sério dizia claramente que havia chegado primeiro.   Era uma beleza! Não que eu tenha qualquer coisa contra salões, mas o clima de uma barbearia é incomparável. Ao entrar, notam-se logo duas diferenças. A prim

História de samba

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Não sei exatamente quando surgiu meu amor pelo samba. Mas se volto em busca de uma primeira memória, chego até aos meus tempos de moleque, lá em Quintino. Vem-me a imagem de minha avó cantando “Último desejo” enquanto cozinhava e punha a roupa na máquina de lavar. Era comum que cantasse enquanto cumpria seus afazeres domésticos e – já que ela costumava começar cedo – não foram poucas as vezes que acordei assim, com música. “As rosas não falam”, “Retalhos de cetim”, “Bandeira branca”... Seu repertório era dos melhores e aprendi amar as canções que ouvia muito tempo antes de saber nomear os seus compositores.   Mas se meu amor pelo samba é coisa antiga, o hábito, este é recente.   Domingo passado, dia 2 de dezembro, foi Dia Nacional do Samba: uma data que até uns dois anos atrás nem sequer sabia da existência. Foi nessa época que através de uma colega do trabalho (que mais tarde descobri ser um daqueles irmãos perdidos no mundo que a gente às vezes tem, mas desconhece) fui à Pedr

Resposta do Rio

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Essa semana li que Niterói foi eleita por um site gringo como a cidade do mundo com mais mulheres bonitas. Vou confessar: como carioca e apaixonado pela espécie, senti-me um pouco enciumado. Como assim, Niterói desbancando o Rio? Como uma cidade que chama “joelho” de “italiano” pode desfrutar de tamanha honraria?   Depois contemporizei: o que afinal esses americanos entendem de mulher? Que importa se de lá saíram várias top models internacionais? A beleza da carioca vai muito além das passarelas!   Só quando recobrei a razão, notei que estava sendo vítima do meu próprio bairrismo. A verdade é que nós, cariocas, temos certa má vontade com nossa irmã mais nova fluminense. Não é uma coisa declarada, como é o caso com São Paulo – nossa arquirrival de concreto e cinza. Carioca não leva Niterói muito a sério relegando-a um status de “café com leite”. É quase um distrito do Rio de Janeiro, ou um bairro grande, que fica do outro lado da Baía. Sinônimo de longe, de ponte, de barcas. Ch

uma confissão

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  Durante a noite encontro uma liberdade para escrever que por algum motivo o sol não me permite. Notei recentemente que meus textos têm ficado cada vez mais parecidos com relatos. Ilusão. Não são estes textos mais relatos que outros antes escritos. Mais pessoais. Todos são algum produto do que acontece quando torço. E sangro. São o que escorre. Não são meus relatos. Não são minhas confissões. São uma conversa causal, uma voz que empresto a uma porção de mundo oculta, querendo mostra-se. São clichês. São notas noturnas do óbvio. Mentiras absolutas. Mas verdadeiras.  

de como não conheci meu grande amor

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Foi em uma noite de segunda-feira. Olhou-me curiosa por detrás de seu sanduíche quando me sentei – toda a solidão do mundo naquele sanduíche.   Tinha olhos cansados, do tipo que parecem fartos do mundo, mas que ainda não desistiram dele. Protegidos por óculos de grossos aros olhavam para um celular, sem parar, esperando uma ligação que não vinha. A frustração só a fazia mais bela.   Compreendi que a solidão dela era minha solidão.   Sozinha. E linda. Era o outono. Ali, da mesa ao lado, apaixonei-me imediatamente. Naquele fast food vazio, éramos feitos um para o outro.   Inquieta, parecia incomodada com um dos seus cachos que teimava em cair sobre o rosto. Tinha cachos castanhos e uns olhos de amêndoa.   O telefone não tocava. Sentia seu desalento. Pensei que deveria pular para a mesa do lado, juntar nossas solidões.   Não espere mais , eu diria. Também cansei de esperar. Esse tempo passou. Vem comigo. Vamos viver. Gritar esse berro entalado no silêncio. Rir até

A Pátria de controle remoto

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Hoje à noite, quando cheguei em casa e vi a TV ligada com todos aqueles personagens estranhos foi como se alguma coisa em minha sala estivesse faltando. Confesso, o final de Avenida Brasil me deixou meio órfão. Jantar acompanhado de Rita, Carminha, Tufão e companhia, já fazia parte das minhas noites. Não assistia a uma novela com uma fidelidade tão canina há anos!   Esse é o momento que, em choque, você leitor fiel, fala "é sério isso? Ele escreveu uma crônica sobre novela mesmo?" Sim. Escrevi. E vou perdoá-lo se quiser parar de ler agora. Fidelidade não está na natureza do leitor mesmo. Além do que, essa é outra daquelas longas crônicas, que ninguém tem mesmo paciência de ler inteiras.   Quando comecei a escrever, enumerava argumentos de porque Avenida Brasil revolucionou muitos aspectos do nosso já conhecido folhetim das vinte e uma horas. Logo, porém, vi que não era isso que eu realmente queria fazer. Poderia escrever páginas e páginas rebatendo crític

dos livros que não li

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Ultimamente tenho olhado minhas prateleiras, abarrotadas e tortas, com uma sensação cada vez mais forte de insignificância. Amo livros ao ponto de possuir inúmeros que nunca abri. Andei fazendo as contas e no final os números são sempre frustrantes. Se vivesse para contemplação e lesse um livro por dia, trezentos e sessenta e cinco dias por ano, duvido que vivesse o bastante para dar conta de tudo que desperta meu interesse.   Pensando bem, até consigo conviver amigavelmente com os que nunca abri. Mas um livro interminado é como aquele caso de amor mal resolvido. Aquele afastamento sem final, sem definição. Que fica ali, figurando, acenando no tempo para você a possibilidades do que poderia ter sido: por mais que o coloque de volta na estante, sempre haverá um marcador, uma prova de sua capitulação.   Perseguem-me assim muito mais os livros que nunca li dos que o que nunca escrevi.   Houve aqueles que eram tão bons que, na medida em que o monte de páginas não lidas ficava m

A Dança de Acasalamento do Tangará ou A Democracia Darwiniana

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Este ano havia prometido que não escreveria nem uma linha sobre as eleições. Claro que essa promessa não incluía os comentários maliciosos nas redes sociais, digo isso literariamente falando. Tenho certa tendência a achar que engajamento diminui a qualidade de um texto literário. Não é que acredite nisso como uma verdade universal – acredito em poucas verdades universais –, nem que não reconheça diversas exceções. Mas via regra, torço o nariz para tudo que é panfletário demais.   Enfim o pleito passou, não teremos segundo turno em São Sebastião do Rio de Janeiro... e aqui estou eu, quebrando minha promessa. Acontece que na manhã de segunda-feira, quando saí de casa para ir trabalhar, senti uma espécie de vazio... Como aqueles que nos acometem logo após grandes eventos que agitam a cidade, arrebatam paixões e então terminam, deixando apenas cinzas e o clima de província – no caso, ficou o lixo deixado pelos candidatos.   É que para mim, eleição sempre foi assim, meio festa. Talv

Thessaloníki (trecho)

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  Alice e Sula   Estava caminhando pela cidade quando resolvi entrar em um minimercado, uma mercearia que vendia principalmente frutas e verduras. Fui atraída pelo cheiro forte das azeitonas armazenadas em grandes sacas e tonéis, expostas bem na porta. Tinham cores e tamanhos que só tinha antes visto na tevê. E havia os temperos... Identifiquei os odores de pimenta, canela... Quase fiquei tonta ao sentir o orégano de perto. Outros eram-me completamente desconhecidos. Mas foi pelas olivas que fiquei cativada. Algumas eram tão grandes quanto uma bola de golf e tão negras quanto ébano. Se não fosse pela textura, a textura peculiar, o cheiro forte... Fiquei ali, sentindo aquele cheiro, tímida, apreciando aquelas pessoas pitorescas comprando suas especiarias – minha boca encheu-se d’água nos instantes que estive ali parada. Então senti um toque leve no meu ombro. Virei devagar, sem sair do estado contemplativo em que me encontrava. Levemente arredondado, seu rosto tinha um bronzeado

Dezessete graus

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  Houve essa ocasião...   Caminhava de volta para casa. Era dia de semana e mesmo não sendo tão tarde – o visor do celular ainda não marcava meia-noite – as ruas do Méier estavam quase desertas. Andava rápido. Aprendi com Rubem Fonseca que, ao caminhar pelas ruas do Rio de Janeiro, não existe forma melhor de se evitar um assalto do que um passo veloz. Não que eu me sentisse inseguro. A gente sempre se sente mais seguro no seu próprio bairro, mesmo que essa sensação nem sempre condiga com a realidade. Já passava da metade do caminho quando o rapaz me abordou.   Notei-o vindo em minha direção e não senti necessidade de desviar. Não parecia perigoso. Ao contrário do que normalmente faria e das recomendações com as quais encho os ouvidos de meus amigos, hesitei por um segundo logo que notei a iminente abordagem. Olhei-o nos olhos e, é claro – olhar nos olhos nessas horas é quase como dizer “pois não?”–, foi o suficiente para que começasse a falar.   Por algu

Memorabilia

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  "Que maravilha", ela disse. Eu concordei com um sorriso silencioso. Era mesmo uma maravilha, uma coisa sublime. Imagens de dois projetores se cruzavam para formar uma terceira na parede da sala escura.   Mas era outra a forma que eu contemplava.   No escuro, era apenas contorno e perfume. Não aqueles que se compra em loja. Não. Era um daqueles odores impossíveis de serem engarrafados, tão perfeitos que só existem na natureza, em estado bruto: o cheiro de terra molhada em uma tarde cinza, das ondas se quebrando na praia de Maricá, ou dos bolinhos de chuva com café de minha avó – um perfume que sozinho é capaz de parar o tempo ou invocar todo um sentimento.   Entorpecido, fiquei ali, parado... Com algum cuidado, conseguia ouvir sua respiração em meio ao silêncio. Ou talvez fosse a minha que escutasse.   "Queria um desses para mim."   Sim, sem dúvida. Eu queria.   Percebi que ali no escuro, naquela sala de memórias, quando toda sua beleza es

Cachinhos Dourados

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  Eu vejo seus cachos, seus diversos cachinhos dourados emoldurado o rosto de mulher séria, madura, solene, mas com um sorriso tão cristalino como só alguém que figura no auge de sua beleza pode ter. Vejo suas formas bem proporcionadas, com um quê de naturalidade  capaz de fazer insignificante a mais incrível das beldades. Vejo seus pés, seus belos pés, singelos, delicados e desejo-os, desejo-os com a perfeita ciência de que sob eles meu coração está jogado mesmo que ela sequer me note. A musa que repousa sobre a Muralha. Mas minha paixão figura é no que não vejo. No que noto, escuto e sinto. Nas palavras que brotam daquela boca, da cobiçada boca, palavras tão ardentes de saber... Apaixono-me assim, completamente, por tudo que aqueles cachinhos dourados são capazes de esconder.

do resto do mundo

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Dizem por aí que descobriu-se uma nova forma de vida. Muito ainda há de se debater quanto ao seu nicho ecológico, mas já definiu-se seu hábitat: espalhado por toda parte, vive onde ninguém mais quer estar. Seu espaço natural começa onde termina tudo que olhos saudáveis querem ver. Verdadeira maravilha da evolução, é incrivelmente adaptável. Reproduz-se com muita facilidade, acomodando-se na sujeira, servindo-se de excrementos e restos. Acredita-se que por isso esteve por tanto tempo esquecido: por instinto, o evitamos, já que tal modo de vida faz com que exale fortes odores – que parecem funcionar como defesa natural da espécie.   Alguns exemplares apreciam lugares escuros, longe dos olhos curiosos. Construções abandonadas, ruas desertas e infectas, lixões ou sob o pouso de viadutos: todos esses são pontos onde podem ser facilmente encontrados. Outros são mais exibicionistas e não se importam em mostrar a todos a miséria de sua existência. Esses são vistos com desconfiança e por mu

Crônica do amor primeiro

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Foi o primeiro amor. Embora até hoje o significado dessa palavra me fuja à definição, é sempre nela quem penso quando falam em primeiro amor. Porque, convenhamos, o primeiro amor é diferente. Tem aquele ar pueril cheio de inocência. É tímido, desesperado, mais doce por ser ainda desprovido de toda e qualquer desilusão. O primeiro amor é especial. Mais do reino do sonho que do material. Quem dera todos os amores fossem primeiros e o adorável momento dos dez anos durasse para sempre.   Estava no auge do meu nono ano de vida – nove anos é uma idade especial porque em breve você fará dez, e dez, como todos os números redondos, tem um ar de importância. Fazia pouco que havia me mudado para a Vila de Baixo, uma das duas partes de uma vila maior que se bifurcava. Todos os dias, pela manhã, vestia meu uniforme da escola engomado com esmero e saia com minha mãe caminhando até o ponto de ônibus. Não sei há quantos dias, semanas ou meses já morava ali quando ocorreu aquele encontro. Contar o

O Peixe

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Tinha um peixe na prateleira ao lado da fila do caixa. Estava dentro de um saco, mas ainda era um peixe. E me olhava. Havia sido pescado e abandonado ali. Não pela mesma pessoa, obviamente. Mesmo assim me lançava aquele olhar esbugalhado como se eu tivesse culpa do seu destino de peixe pescado. Fiquei indignado. E enjoado também. Se não o tirassem dali, daqui a pouco começaria a feder. Uma fila lenta já era desgraça suficiente sem um peixe lamuriento se decompondo ao lado.   Passei pelo caixa, deixei um quinhão do meu esforço pelas minhas compras e sai, rápido, fugido. Mas não me adiantou. O peixe acusador não me largou. Sentia seu cheiro de cais do porto. Seus olhos, seus malditos olhos que nem na morte se fechavam, seguiam-me. Era um maldito, um maldito que não se colocava em seu lugar, lugar de peixe morto.   Cruzei com uma velha conhecida na rua. Olhei para ela pensando em cumprimentá-la e apavorei-me. Vi o peixe em seus olhos. Não a cumprimentei. Não tinha palavras naquele

Feroz

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Lembro que todas as cinzas manhãs fazia aquele caminho. Era uma casa construída sobre rocha, de modo que para chegar até ela, subia-se dois longos lances de escadas rentes ao paredão de pedra crua. Em cima havia um pequeno portão e uma amurada que separava o quintal de uns bons dez metros de queda. O parapeito era sustentado por uma sequência de pequenos pilares brancos, jônicos, que davam ar senhorial a fachada.   Foi lá que eu o vi.   Da primeira vez, achei que fosse saltar pelo vão da amurada tão disposto para fora estava, desafiando a altura. Não. Ficava ali, parado, olhando o movimento. Como um gárgula no topo de uma torre. Silencioso. Era completamente branco. Olhava tão fixamente para frente que poderia mesmo ser confundido com uma estátua se não estivesse em uma posição tão inusitada. Na manhã seguinte voltei a olhar e lá está ele. Na mesma posição. Parecia nunca ter saído dali. Passei a esperar por aquele trecho da viagem todas as manhãs, só para observar aquele quadro

na Rua da Praia

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Já estava tarde, tinha decido do ônibus e caminhava pela Rua da Praia há algumas quadras quando me deparei com aquela senhora. Antes, o que me chamou atenção foi a lona azul, estendida sobre a calçada de pedras portuguesas, coberta de livros. O hábito me fez diminuir a velocidade das passadas: não resisto facilmente a livros, mas dessa vez, não achei que fosse interromper minha caminhada. Esperava livros espíritas, autoajuda, coisas que normalmente não chamam minha atenção. Mas Ulysses me fez parar. Joyce, em uma bela edição de capa dura vermelha, saltava aos olhos. E não estava só. Proust, Sartre, Barthes... volumes e mais volumes. Abaixei-me, esquadrinhei as edições tentado o máximo possível não bagunçar a ordem criteriosa na qual estavam dispostas. Quando finalmente encontrei algo de meu interesse levantei com a obra em mãos, a procura do responsável pelos exemplares. Então a vi. Sentada no degrau de uma loja já fechada, lançando-me um olhar atento, cheio de interesse. Não sou capaz

O Porto

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Ao caminhar pelas ruas escuras, ele se pergunta há quanto tempo o mar se retirou dali. Provavelmente, algum dia foi possível sentir o cheiro da maresia daquela rua. Hoje sentia apenas o característico cheiro de urina amanhecida. Onde antes havia marinheiros, agora putas baratas e de má aparência conversam e lançam olhares, apinhadas nas esquinas. Mas o arredor não deixa dúvida de que lugar é aquele. As construções pitorescas, degradadas pelo tempo, os armazéns cheios de vazio – com seus vidros quebrados, sempre se mostrando prestes a desabar, agora abrigam homens esquecidos e todo tipo de imundice. Mas não, eles não negam para que foram construídos. Alguns ainda carregam nomes sobre as portas, outros números, a maioria já se perdeu.   Ao caminhar pelas ruas escuras, ele experimenta uma solidão única. Sente a paz cheia de perigo que apenas o deserto de uma rua assim pode provocar. Vez por outra, cruza com alguém, algum outro caminhante noturno. Nesses encontros, tudo pode depender d