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Mostrando postagens de 2013

Sinal vermelho

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Na chuva havia aquele homem, um senhor escrevendo num caderno molhado. As páginas já estavam manchadas pela tinta de caneta que se soltava. Para cada palavra que o velho escrevia, a água levava outras dez. Escorriam azuis, misturavam-se com as poças da calçada.   Em pouco tempo a calçada estaria cheia de palavras. Substantivos e adjetivos. Verbos e ideias que inexoravelmente escorreriam para o ralo. Virariam esgoto. E então o texto estaria completo. Lavado pela chuva. E nunca teria existido.   Todavia o molhado escritor parecia decido. Com uma angústia no rosto, palavra por palavra, não se dava por vencido.   Tive dó.   Mas quando o ônibus saiu e perdi a vista da janela, percebi que as palavras daquele homem, sejam lá quais fossem, eram mais verdadeiras que todas as que jamais escrevi.

Coisa de mãe

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Era Maricá, praia braba, oceânica. Naqueles dias a areia ainda era grande e branca. O mar um azul turquesa que só existe no verão.   A mãe estava pegando sol ao lado da barraca, acompanhada de outra mãe, amiga descartável da praia. Conversava com olhos atentos: o seu estava logo abaixo, brincando com as outras crianças na areia molhada, indo e fugindo das ondas.   “Não fica de costas para a onda!” gritava em alerta. “Não fico!”, respondia o filho quase sem pensar. Estava completamente imerso em suas importantes ocupações de engenheiros de castelos temporários, caçador de tatuís e colecionador de conchas. Havia um casal de irmãos da mesma idade e como criança solta logo se entende, antes de saberem os nomes uns dos outros os três já brincavam juntos.   “A onda, olha a onda! Presta atenção!”   “Tá bom!”, respondia envergonhado.   Então uma das crianças gritou “Que é aquilo lá?” e apontou para umas coisas pretas que entravam e saiam da água mais para dentro do mar.  

Visão de Carnaval

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Vamos juntos cortando a multidão, com cuidado para não nos perder. Vou na frente, abro caminho entre foliões bêbados e cansados para ela passar tranquila. Passamos por uma mulher, um Neandertal, um policial, um bombeiro... Todos de mentira, menos o Neandertal. Não choveu, mas a rua está molhada. A Cidade está fedendo a cerveja e a urina fresca. Mesmo assim estão todos sorrindo e eu sorrio também. Sorrio pelo hábito. Um sorriso cheio de tensão, mas um sorriso.   Em algum lugar está tocando uma marchinha. Lembro o que estou fazendo aqui. É para lá que vamos. Parece que alguma coisa explodiu. Não me assusto porque ninguém se assusta. Hoje somos todos um só.   Com a desculpa de não dos perdermos, estendo minha mão para atrás. Só quero sentir seu toque. Aperto o passo sem soltar sua mão. Ela anda com cuidado para não sujar os pés. Parece deslumbrada e assustada enquanto salta com um jeito de bailarina.   Corro uma esquina, duas, três... Para onde nós vamos? Esse calor tá de mata

A Menina e o Gigante a vapor

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Em outro tempo, em outro lugar, havia uma Menina. Uma Menina que morava perto de um Bosque, um grande e belo bosque, cheio de árvores frutíferas, animais e flores coloridas. E o amava. Amava daquela forma que só as crianças são capazes de amar, aquela capacidade de ternura que o tempo vai levando, inverno após inverno.   Foi no fundo do Bosque, onde as árvores cresciam mais altas que o sol, que a Menina o encontrou: um gigante todo feito de metal. Tinha o tamanho de uma pequena árvore e pelo seu corpo havia dezenas de pistões e engrenagens à mostra. Na barriga, ou no lugar onde deveria ser a barriga, ficava uma fornalha, igualzinha as que a Menina tinha visto nas locomotivas a vapor.   Seus olhos eram fendas vazias, mas bem lá no fundo podia-se ver um brilho leve, opaco e triste. Teve então, a Menina, dó do Gigante, sozinho, abandonado naquele canto escuro do Bosque. Lembrou-se de como faziam para os trens funcionarem, juntou um pouco de lenha que estava espalhada a sua volta e