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Mostrando postagens de outubro, 2012

A Pátria de controle remoto

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Hoje à noite, quando cheguei em casa e vi a TV ligada com todos aqueles personagens estranhos foi como se alguma coisa em minha sala estivesse faltando. Confesso, o final de Avenida Brasil me deixou meio órfão. Jantar acompanhado de Rita, Carminha, Tufão e companhia, já fazia parte das minhas noites. Não assistia a uma novela com uma fidelidade tão canina há anos!   Esse é o momento que, em choque, você leitor fiel, fala "é sério isso? Ele escreveu uma crônica sobre novela mesmo?" Sim. Escrevi. E vou perdoá-lo se quiser parar de ler agora. Fidelidade não está na natureza do leitor mesmo. Além do que, essa é outra daquelas longas crônicas, que ninguém tem mesmo paciência de ler inteiras.   Quando comecei a escrever, enumerava argumentos de porque Avenida Brasil revolucionou muitos aspectos do nosso já conhecido folhetim das vinte e uma horas. Logo, porém, vi que não era isso que eu realmente queria fazer. Poderia escrever páginas e páginas rebatendo crític

dos livros que não li

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Ultimamente tenho olhado minhas prateleiras, abarrotadas e tortas, com uma sensação cada vez mais forte de insignificância. Amo livros ao ponto de possuir inúmeros que nunca abri. Andei fazendo as contas e no final os números são sempre frustrantes. Se vivesse para contemplação e lesse um livro por dia, trezentos e sessenta e cinco dias por ano, duvido que vivesse o bastante para dar conta de tudo que desperta meu interesse.   Pensando bem, até consigo conviver amigavelmente com os que nunca abri. Mas um livro interminado é como aquele caso de amor mal resolvido. Aquele afastamento sem final, sem definição. Que fica ali, figurando, acenando no tempo para você a possibilidades do que poderia ter sido: por mais que o coloque de volta na estante, sempre haverá um marcador, uma prova de sua capitulação.   Perseguem-me assim muito mais os livros que nunca li dos que o que nunca escrevi.   Houve aqueles que eram tão bons que, na medida em que o monte de páginas não lidas ficava m

A Dança de Acasalamento do Tangará ou A Democracia Darwiniana

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Este ano havia prometido que não escreveria nem uma linha sobre as eleições. Claro que essa promessa não incluía os comentários maliciosos nas redes sociais, digo isso literariamente falando. Tenho certa tendência a achar que engajamento diminui a qualidade de um texto literário. Não é que acredite nisso como uma verdade universal – acredito em poucas verdades universais –, nem que não reconheça diversas exceções. Mas via regra, torço o nariz para tudo que é panfletário demais.   Enfim o pleito passou, não teremos segundo turno em São Sebastião do Rio de Janeiro... e aqui estou eu, quebrando minha promessa. Acontece que na manhã de segunda-feira, quando saí de casa para ir trabalhar, senti uma espécie de vazio... Como aqueles que nos acometem logo após grandes eventos que agitam a cidade, arrebatam paixões e então terminam, deixando apenas cinzas e o clima de província – no caso, ficou o lixo deixado pelos candidatos.   É que para mim, eleição sempre foi assim, meio festa. Talv

Thessaloníki (trecho)

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  Alice e Sula   Estava caminhando pela cidade quando resolvi entrar em um minimercado, uma mercearia que vendia principalmente frutas e verduras. Fui atraída pelo cheiro forte das azeitonas armazenadas em grandes sacas e tonéis, expostas bem na porta. Tinham cores e tamanhos que só tinha antes visto na tevê. E havia os temperos... Identifiquei os odores de pimenta, canela... Quase fiquei tonta ao sentir o orégano de perto. Outros eram-me completamente desconhecidos. Mas foi pelas olivas que fiquei cativada. Algumas eram tão grandes quanto uma bola de golf e tão negras quanto ébano. Se não fosse pela textura, a textura peculiar, o cheiro forte... Fiquei ali, sentindo aquele cheiro, tímida, apreciando aquelas pessoas pitorescas comprando suas especiarias – minha boca encheu-se d’água nos instantes que estive ali parada. Então senti um toque leve no meu ombro. Virei devagar, sem sair do estado contemplativo em que me encontrava. Levemente arredondado, seu rosto tinha um bronzeado

Dezessete graus

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  Houve essa ocasião...   Caminhava de volta para casa. Era dia de semana e mesmo não sendo tão tarde – o visor do celular ainda não marcava meia-noite – as ruas do Méier estavam quase desertas. Andava rápido. Aprendi com Rubem Fonseca que, ao caminhar pelas ruas do Rio de Janeiro, não existe forma melhor de se evitar um assalto do que um passo veloz. Não que eu me sentisse inseguro. A gente sempre se sente mais seguro no seu próprio bairro, mesmo que essa sensação nem sempre condiga com a realidade. Já passava da metade do caminho quando o rapaz me abordou.   Notei-o vindo em minha direção e não senti necessidade de desviar. Não parecia perigoso. Ao contrário do que normalmente faria e das recomendações com as quais encho os ouvidos de meus amigos, hesitei por um segundo logo que notei a iminente abordagem. Olhei-o nos olhos e, é claro – olhar nos olhos nessas horas é quase como dizer “pois não?”–, foi o suficiente para que começasse a falar.   Por algu

Memorabilia

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  "Que maravilha", ela disse. Eu concordei com um sorriso silencioso. Era mesmo uma maravilha, uma coisa sublime. Imagens de dois projetores se cruzavam para formar uma terceira na parede da sala escura.   Mas era outra a forma que eu contemplava.   No escuro, era apenas contorno e perfume. Não aqueles que se compra em loja. Não. Era um daqueles odores impossíveis de serem engarrafados, tão perfeitos que só existem na natureza, em estado bruto: o cheiro de terra molhada em uma tarde cinza, das ondas se quebrando na praia de Maricá, ou dos bolinhos de chuva com café de minha avó – um perfume que sozinho é capaz de parar o tempo ou invocar todo um sentimento.   Entorpecido, fiquei ali, parado... Com algum cuidado, conseguia ouvir sua respiração em meio ao silêncio. Ou talvez fosse a minha que escutasse.   "Queria um desses para mim."   Sim, sem dúvida. Eu queria.   Percebi que ali no escuro, naquela sala de memórias, quando toda sua beleza es