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Mostrando postagens de 2014

Adeus ano velho, feliz ano velho

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Enquanto caminho minha mente divagava para fugir do calor.  Está acabado. Toda a pungência louca de dezembro culminando em um grande  show  pirotécnico,  beijos e abraços na praia. Mas não estou na praia.   Estou caminhando de volta para casa. Os relógios da Rua Dias da Cruz apontam que 2015 começara já faz uma hora. A hora deve estar certa, mas duvido dos 32 graus que mostra o termômetro. Com o suor grudando minhas roupas no corpo, sinto-me mais em Arrakis que no subúrbio do Rio de Janeiro. Famílias passam por mim com suas expressões de fim de festa,  regressando para seus respectivos lares. Vez ou outra algum fogos de artifício atrasado ainda se faz ouvir, quebrando o silêncio da noite. Sempre odiei fogos de artifício. Barulho e fumaça nunca foram meu ideal de comemoração.   E eles estavam ali... Na calçada,  sob uma marquise. Um casal dormindo entre um amontoado de pertences. Não. Não apenas um casal. Havia também uma terceira criatura. Uma criança que a primeira vista tome

Crônica de Natal

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Essa é, talvez, a mais estranha de todas as épocas do ano para mim. Não sei se é o calor - o calor sempre me incomoda. Ou se porque não sou nem nunca fui cristão. Mas o Natal aqui no Rio de Janeiro sempre me pareceu uma data... Exótica.   Não me entendam mal, eu sempre gostei de Natal. Bem verdade que poderia destilar linhas e mais linhas de críticas. O calor, a enorme quantidade de pessoas nas ruas lotando os shoppings e lojas, estapeando-se pelo melhor preço,  comprando presentes para meio mundo só pela perspectiva de ganhar um par de meias a meia-noite. Um consumismo ilimitado que acaba com uma fatura estourada do cartão de crédito em janeiro. Sem falar que a coisa toda não tem nada haver com a gente! Pinheiros? Neve? Frutas cristalizadas? Alguém realmente gosta daqueles pedaços de caco de vidro colorido que alguma bruxa má um dia misturou na massa do panettone? Já mencionei o calor? Enfim... Eu poderia falar sobre tudo isso.   Mas como disse antes,  eu gosto do Natal. Gosto

O Trenó

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"Papai Noel não existe.",  sentenciou o pequeno,  meio emburrado,  meio entristecido.   "Como? Quem te falou isso,  filho?" respondeu o pai,  retirado de sobressalto do seu telejornal noturno.   "Ninguém,  ué. Eu sei!"   "Como assim ninguém? Da onde você tirou isso então?"   "Deixa de ser bobo,  papai! Renas não voam."   "Mais é claro que voam!" indignado.   "Elas nem têm asas!"   "Os balões? Não voam? Balão não tem asa!"   Uma sombra de dúvida passou pelo rosto do pequeno.   "Como é que eles voam então?"   "É mágica,  ué!"   "Mágica não existe. Tô muito grande para acreditar nisso."   "Ora, mas você está demais hoje! Mágica existe sim!"   "Não existe."   "Quer ouvir um segredo?"   "Conta."   "Quando eu era criança,  eu vi Papai Noel..."   "Ah, eu também vi

Manifesto Despudorado

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Permitam-me, leitores, o anacronismo desse texto – sonhei que escrevia um manifesto à moda antiga, com ares de pau-brasil,  de antropofágico. Permitam-me também certa dose de pedantismo sem o qual fugiria  ao do próprio gênero que me proponho.   Tenho observado que em pleno século XXI o pudor ainda atormenta a arte. Causa-me angústias ver como o poeta constrange-se, o romancista encabula-se,  o cronista censura-se. Buscam fórmulas do que pode e não pode,  ora intimidados pelo politicamente correto,  ora amarrados pelos fios invisíveis da teoria literária.   Em tempos de hipocrisias mil,  senti que regredimos ao invés de avançar – as terras que deveriam abrigar um grande florescer criativo,  tornam-se um campo estéril e minado.   Pus-me então a escrever: é chegado,  senhores, o momento de um basta!   Clamo você, autor, não a razão. Esta é inimiga da arte. Clamo-te a emoção. Invoco bênção das nove musas. E escrevo.   Escrevo com a certeza que o texto precisa livrar-se

E agora, quem poderá nos defender?

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Hoje a noite quando sai do trabalho fiquei com os olhos cheios d'água ao checar o Facebook pelo celular. A notícia era de uma perda. Notícia de morte. Nunca o vi pessoalmente e mesmo assim tive a sensação de que morria um conhecido. Nunca entendi essa ligação que as pessoas têm com figuras públicas,  reações de se descabelar e chorar. Nunca entendi até esse momento. Decidi então que precisava escrever sobre isso – o cronista antes de qualquer coisa é um oportunista, um abutre de emoções e cenas.   Mas o que dizer,  leitor? O que dizer? O que posso escrever que já não foi dito? Que os deuses me livrem de cair nas obviedades! Ai de mim! Você,  navegante de primeira viagem – também fã da ainda não citada figura pública e atraído até aqui pelo assunto – certamente fecharia este periódico para nunca mais voltar. E o outro,  já leitor habitue, diria "ora, mas que marasmo! O Bornéo tá perdendo a mão!". Difícil tarefa essa que me designei! Mas agora,  aqui,  do alto do tercei

Gesta de amante

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  Não sou quem pensou que fosse. Sei que és princesa,  mas eu... Eu sou apenas um plebeu. Não tenho realeza. Nem títulos. Nem nobreza. Minha história é simples como de um lavrador que amanha a terra para tirar-lhe o sustento.  Não tenho muito que lhe dar. Minhas posses se resumem a esse cavalo baio e tudo que pode carregar. Minha riqueza está na terra que piso,  na poeira que levanto. Nos livros que li e guardei comigo. Está nas flores inesgotáveis que admiro. Nos sorrisos que arranquei, nas lágrimas que verti. É o voo da borboleta e o canto do passarinho. A inquietação metafísica com o sofrimento do mundo. Se te interessam essas posses então vem comigo. Sobes na garupa.   Vem,  foge pro litoral!   Que serás rica. Vou te fazer imperatriz num castelo de areia. E nas noites nadaremos juntos,  nus como há de ser a liberdade. E faremos amor na praia, sob o luar. No teu ventre plantarei um filho. E depois outro. E nossos filhos darão inveja a Botticelli. E multiplicar-se-ão mundo

O placa

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  Sua função era não ser notado. Era menos importante do que a placa que vestia,  como um cavalete. "Lan House no segundo andar" – a mensagem não podia ser mais simples. Só tinha entrado na tal "lan house" uma vez,  para entrevista. Todo dia pegava e guardava seu instrumento de trabalho/uniforme num almoxarifado da própria galeria que ficava plantado na porta.   "Esse é um trabalho importante" eles disseram. "Você será a empresa lá fora,  o chamariz. Esse ramo de publicidade humana está crescendo muito. Se fizer um bom trabalho como placa aqui,  quem sabe um dia você possa chegar a outdoor.” Sentiu-se imbuído de uma importante tarefa. Abrir mão das vaidades individuais para promover a empresa. O importante era esquecer-se de si mesmo. Ali ele era só a placa. A mensagem.   Quando chegou em casa e deu a notícia a esposa era só alegria. “Vai tirar de letra!” – disse a mulher. De fato, tinha certa experiência.   Havia sido caixa em um superm

awakening

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  Havia essa moça no ponto de ônibus,  essa moça de beleza não convencional. Cabelos pretos, curtos. Blusa de alcinha, também preta. Tinha tatuado awakening   nas costas.  Fiquei confuso porque apesar disso ela aparentava muito sono. Quando chegou nosso ônibus, acho que nos dois já estávamos dormindo.   Por que alguém escreve "despertar" nas costas? O que significava? Um aviso, um chamado? Estão todos dormindo. Dançando uma dança morta. “Ei,  você,  desperte!”, talvez ela estivesse tentando gritar. Estaria sinalizando que estava desperta? Quis perguntar. Quis mesmo.   Quis sentar do lado dela, mas seria estranho,  ainda restavam bancos com os dois assentos vagos. Nessas horas que noto como os seres humanos se repelem. Sentei algumas cadeiras depois, junto à janela. Olhei para a rua. Coloquei o fone. Os óculos escuros.   Esqueci-me dela,  fechei os olhos e acordei.  

As cerejeiras da Praça Mario Lago

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Tive essa manhã uma experiência do campo do extraordinário. Coisa incrível mesmo, daqueles momentos que você guarda consigo pelo resto da vida.   Estava no trabalho, no Centro do Rio. Muito cedo, eu ainda era o único na repartição. Passei pela janela e olhei para a paisagem que sempre ignoro. Dessa vez meus olhos foram surpreendidos por algo novo: a praça estava coberta de flores. Cerejeiras cintilavam um rosa doce, cintilante. Como que saídas de um filme do Kurosawa seus galhos meneavam em uma dança imóvel.   De repente era primavera. Como pude deixar de notar?   Do 8° andar  o dia ainda era silencioso o suficiente para ouvir o som dos pássaros. Senti-me tão pequeno. Aprisionado na minha gaiola de vidro. As pétalas que se soltavam, corriam pelo chão da praça,  guiadas pela brisa. O sol da manhã acariciava toda a cena e os cariocas...   Ah, os cariocas! Estes passavam pelas minhas cerejeiras com suas pastas,  sua pressa. Para eles eram simples ipês,  simples e vulgares

Marianne

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Perdoe-me,  minha querida, mas não posso. Eu queria, juro que  queria, mas as condições que me impõe são por demais injustas. Tentei. Tentei muito. Perdi horas do meu precioso sono meditando, buscando o caminho mais liso... Falhei. Recuso-me a continuar como estamos. Esse comodismo, essa prostituição do que  sonhamos  chega ser criminosa. Mas o passo a frente que me propõe... é como dois para trás. Talvez a culpa não seja sua. Talvez seja minha.  Que sonhei alto demais. Que me agarrei a  utopias. Então, por favor, perdoe-me se me recuso. Se me cansei das trocas de acusações, das injúrias e ofensas. Do cinismo,  das mãos que hora afagam,  hora esbofeteiam. Debati. Argumentei. Até mesmo amigos perdi! Agora chega.     Recuso-me a escolher entre os dois cálices. Recuso-me optar pelo veneno menos amargo. Entre as duas opções que me foram dadas, escolho a terceira: lavo minhas mãos. E que você,  minha amada,  minha adorada Democracia,  possa morrer na cruz... Para em