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Mostrando postagens de novembro, 2014

E agora, quem poderá nos defender?

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Hoje a noite quando sai do trabalho fiquei com os olhos cheios d'água ao checar o Facebook pelo celular. A notícia era de uma perda. Notícia de morte. Nunca o vi pessoalmente e mesmo assim tive a sensação de que morria um conhecido. Nunca entendi essa ligação que as pessoas têm com figuras públicas,  reações de se descabelar e chorar. Nunca entendi até esse momento. Decidi então que precisava escrever sobre isso – o cronista antes de qualquer coisa é um oportunista, um abutre de emoções e cenas.   Mas o que dizer,  leitor? O que dizer? O que posso escrever que já não foi dito? Que os deuses me livrem de cair nas obviedades! Ai de mim! Você,  navegante de primeira viagem – também fã da ainda não citada figura pública e atraído até aqui pelo assunto – certamente fecharia este periódico para nunca mais voltar. E o outro,  já leitor habitue, diria "ora, mas que marasmo! O Bornéo tá perdendo a mão!". Difícil tarefa essa que me designei! Mas agora,  aqui,  do alto do tercei

Gesta de amante

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  Não sou quem pensou que fosse. Sei que és princesa,  mas eu... Eu sou apenas um plebeu. Não tenho realeza. Nem títulos. Nem nobreza. Minha história é simples como de um lavrador que amanha a terra para tirar-lhe o sustento.  Não tenho muito que lhe dar. Minhas posses se resumem a esse cavalo baio e tudo que pode carregar. Minha riqueza está na terra que piso,  na poeira que levanto. Nos livros que li e guardei comigo. Está nas flores inesgotáveis que admiro. Nos sorrisos que arranquei, nas lágrimas que verti. É o voo da borboleta e o canto do passarinho. A inquietação metafísica com o sofrimento do mundo. Se te interessam essas posses então vem comigo. Sobes na garupa.   Vem,  foge pro litoral!   Que serás rica. Vou te fazer imperatriz num castelo de areia. E nas noites nadaremos juntos,  nus como há de ser a liberdade. E faremos amor na praia, sob o luar. No teu ventre plantarei um filho. E depois outro. E nossos filhos darão inveja a Botticelli. E multiplicar-se-ão mundo

O placa

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  Sua função era não ser notado. Era menos importante do que a placa que vestia,  como um cavalete. "Lan House no segundo andar" – a mensagem não podia ser mais simples. Só tinha entrado na tal "lan house" uma vez,  para entrevista. Todo dia pegava e guardava seu instrumento de trabalho/uniforme num almoxarifado da própria galeria que ficava plantado na porta.   "Esse é um trabalho importante" eles disseram. "Você será a empresa lá fora,  o chamariz. Esse ramo de publicidade humana está crescendo muito. Se fizer um bom trabalho como placa aqui,  quem sabe um dia você possa chegar a outdoor.” Sentiu-se imbuído de uma importante tarefa. Abrir mão das vaidades individuais para promover a empresa. O importante era esquecer-se de si mesmo. Ali ele era só a placa. A mensagem.   Quando chegou em casa e deu a notícia a esposa era só alegria. “Vai tirar de letra!” – disse a mulher. De fato, tinha certa experiência.   Havia sido caixa em um superm

awakening

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  Havia essa moça no ponto de ônibus,  essa moça de beleza não convencional. Cabelos pretos, curtos. Blusa de alcinha, também preta. Tinha tatuado awakening   nas costas.  Fiquei confuso porque apesar disso ela aparentava muito sono. Quando chegou nosso ônibus, acho que nos dois já estávamos dormindo.   Por que alguém escreve "despertar" nas costas? O que significava? Um aviso, um chamado? Estão todos dormindo. Dançando uma dança morta. “Ei,  você,  desperte!”, talvez ela estivesse tentando gritar. Estaria sinalizando que estava desperta? Quis perguntar. Quis mesmo.   Quis sentar do lado dela, mas seria estranho,  ainda restavam bancos com os dois assentos vagos. Nessas horas que noto como os seres humanos se repelem. Sentei algumas cadeiras depois, junto à janela. Olhei para a rua. Coloquei o fone. Os óculos escuros.   Esqueci-me dela,  fechei os olhos e acordei.  

As cerejeiras da Praça Mario Lago

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Tive essa manhã uma experiência do campo do extraordinário. Coisa incrível mesmo, daqueles momentos que você guarda consigo pelo resto da vida.   Estava no trabalho, no Centro do Rio. Muito cedo, eu ainda era o único na repartição. Passei pela janela e olhei para a paisagem que sempre ignoro. Dessa vez meus olhos foram surpreendidos por algo novo: a praça estava coberta de flores. Cerejeiras cintilavam um rosa doce, cintilante. Como que saídas de um filme do Kurosawa seus galhos meneavam em uma dança imóvel.   De repente era primavera. Como pude deixar de notar?   Do 8° andar  o dia ainda era silencioso o suficiente para ouvir o som dos pássaros. Senti-me tão pequeno. Aprisionado na minha gaiola de vidro. As pétalas que se soltavam, corriam pelo chão da praça,  guiadas pela brisa. O sol da manhã acariciava toda a cena e os cariocas...   Ah, os cariocas! Estes passavam pelas minhas cerejeiras com suas pastas,  sua pressa. Para eles eram simples ipês,  simples e vulgares