História de samba

Não sei exatamente quando surgiu meu amor pelo samba. Mas se volto em busca de uma primeira memória, chego até aos meus tempos de moleque, lá em Quintino. Vem-me a imagem de minha avó cantando “Último desejo” enquanto cozinhava e punha a roupa na máquina de lavar. Era comum que cantasse enquanto cumpria seus afazeres domésticos e – já que ela costumava começar cedo – não foram poucas as vezes que acordei assim, com música. “As rosas não falam”, “Retalhos de cetim”, “Bandeira branca”... Seu repertório era dos melhores e aprendi amar as canções que ouvia muito tempo antes de saber nomear os seus compositores.

 

Mas se meu amor pelo samba é coisa antiga, o hábito, este é recente.

 

Domingo passado, dia 2 de dezembro, foi Dia Nacional do Samba: uma data que até uns dois anos atrás nem sequer sabia da existência. Foi nessa época que através de uma colega do trabalho (que mais tarde descobri ser um daqueles irmãos perdidos no mundo que a gente às vezes tem, mas desconhece) fui à Pedra do Sal pela primeira vez. Até então, nunca tinha posto os pés na Gamboa. Pequena África era coisa de livro – e de uns poucos.

 

Foi um amor à primeira vista. A tal Pedra era muito mais tímida do que eu imaginava, mas tinha o peso de anos e anos de uma história que eu fui sentindo, fui conhecendo um pouco mais, em cada verso que ouvia. O samba entrou na minha vida; eu não saí mais dele.

 

É por isso que gosto tanto dessa comemoração, do Dia do Samba. Muito mais que do Carnaval. Tenho a sensação de que o Carnaval de hoje em dia – ao menos aqui pelo Rio – é a coisa mais antissamba que já vi. As pessoas enlouquecem, saem por aí brigando, depredando e transformando a cidade toda em um grande mictório. Na quarta-feira de cinzas parece que o furacão Sandy passou pela cidade. Morre a cortesia. Morre o que eu mais amo no samba.

 

Para mim, é nas rodas que mora o “samba verdadeiro”. Acredito piamente que cada vez que um grupo de camaradas se reúne em volta de uma mesa, na porta de um bar, está remetendo a coisa antiga, as primeiras rodas de samba, lá no Recôncavo Baiano, e antes disso, no além mar. Louvam-se os orixás. Voltam-se as origens do batuque. Celebra-se a vida.

 

O samba é o Rio que não está nos postais. Porque cá entre nós, samba que é samba é do subúrbio, das vielas do Centro, do Porto. A Zona Sul é muito linda, mas é bossa nova. Não sou preconceituoso, amo o Rio de Janeiro como um todo. Mas não adianta: a princesinha do mar não sabe sambar igual a mulata da Portela. Tem seus encantos, mas faltam-lhe os segredos e histórias da mulher madura, experimentada.

 

Isso não quer dizer que não fique feliz quando vejo esses rapazes emplumados e moças com vestidos embalados a vácuo em algum desses sambas mais society. De alguma forma é o carioca, que a geografia e a história insistiram em separar, se conhecendo. Mas é sempre bom lembrar que o samba nasceu preto e, graças aos deuses, continua preto.

 

395053_378059305615089_918095765_n

Comentários

  1. "O samba é o Rio que não está nos postais. Porque cá entre nós, samba que é samba é do subúrbio, das vielas do Centro, do Porto. A Zona Sul é muito linda, mas é bossa nova. Não sou preconceituoso, amo o Rio de Janeiro como um todo. Mas não adianta: a princesinha do mar não sabe sambar igual a mulata da Portela. Tem seus encantos, mas faltam-lhe os segredos e histórias da mulher madura, experimentada."

    Adorei!

    Esse é o texto mais bonito que já li seu. A gente sempre fala melhor das coisas que a gente domina e é a isso que se deve a maestria e beleza desse texto. É lindo porque fala do que você mais conhece e mais ama aqui nessa cidade maravilhosa. E haja paixão! Eu amo também! Um dia te ensino a sambar.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Cobrarei isso, heim, Lili!! Hahaha :D

      Fico muito feliz que tenha gostado tanto. Mas estou longe de dominar o assunto."Eu sou apenas um pobre amador, apaixonado".... :-)

      Excluir
  2. A Danuza não tem como sair da cabeça nesta semana. Para não espelharmos a atitude dela, devemos nos colocar do outro lado da questão. Se é um absurdo ela dizer que ir pra Paris perdeu a graça pq seu porteiro também vai, na mesma medida não somos preconceituosos em achar que a mulata sambe mais ou que "A Zona Sul é muito linda, mas é bossa nova."???

    No mais, dividimos o amor antigo pelo samba. :)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. "Tá legal, eu aceito o argumento. Mas não me altere o samba tanto assim..." ;-)

      Eu fico feliz quando os porteiros vão a Paris, ou quando a garota de Ipanema vai ao samba. Não deixo de ir ao um samba (ou deixaria de ir a Paris) por isso.

      Faço minhas as palavras da minha querida Lili e ainda complemento: não quero montar estereótipos. Chico Buarque, Tom Jobim, Vinicius (o branco mais preto do Brasil) são só alguns exemplos de que para a música não existe barreiras. O samba é democrático. Mas não pode perder suas características sem perder sua identidade. Outro dia fui numa roda no meio do Dona Marta que não tinha preto! Estava no meio de uma comunidade, mas era um samba para as elites. Não adianta. Nesses sambas assim, falta alguma coisa... Talvez porque, invocando Vinicius, o bom samba é uma forma de oração. Assim como não existiria bossa nova sem o mar, não existe samba sem o subúrbio, sem o povo negro e sua história...

      A mulata vira socialite, a garota de Ipanema aprende a sambar. “Sem preconceito ou mania de passado.” Mas, por favor, não vamos esquecer-nos de onde viemos. ;-)

      Excluir
  3. Para cada um, o seu samba.

    A Thaís tá falando isso porque apesar de ser paulista e branquela, tem samba no pé. =)
    De fato não deve haver estereótipos pro samba, nem pra coisa alguma, mas, sim, a zona sul é (mais) bossa nova, ponto. E eu amo isso nela. É bossa nova, clima lounge, gente bronzeada, surfistas. Há lá quem sambe, e sambe bem, mas a sensação ainda é de que falta um pedaço. Não é uma questão de quem sambe mais e melhor, é o que a mulata da portela traz no seu samba.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Acho que você confundiu a Thaís, Lili... essa Thaís também é branquela. Mas é mineira, tem pouco samba no pé muito no coração. Hahahahahaha :-)

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Doze respostas a quem “precisa do machismo”

dos livros que não li

Parla