A Dança de Acasalamento do Tangará ou A Democracia Darwiniana

Este ano havia prometido que não escreveria nem uma linha sobre as eleições. Claro que essa promessa não incluía os comentários maliciosos nas redes sociais, digo isso literariamente falando. Tenho certa tendência a achar que engajamento diminui a qualidade de um texto literário. Não é que acredite nisso como uma verdade universal – acredito em poucas verdades universais –, nem que não reconheça diversas exceções. Mas via regra, torço o nariz para tudo que é panfletário demais.

 

Enfim o pleito passou, não teremos segundo turno em São Sebastião do Rio de Janeiro... e aqui estou eu, quebrando minha promessa. Acontece que na manhã de segunda-feira, quando saí de casa para ir trabalhar, senti uma espécie de vazio... Como aqueles que nos acometem logo após grandes eventos que agitam a cidade, arrebatam paixões e então terminam, deixando apenas cinzas e o clima de província – no caso, ficou o lixo deixado pelos candidatos.

 

É que para mim, eleição sempre foi assim, meio festa. Talvez porque comecei cedo a “exercer a democracia”. Desde moleque, muito antes de poder ter um título de eleitor, já votava. Deixem-me explicar: nem minha mãe, nem minha finada avó tinham muita paciência para política. Já eu, mal saído das fraldas, adorava ver o horário eleitoral e todas aquelas figuras pitorescas que apareciam. E gostava principalmente do dia da eleição. Na época a fiscalização era ainda menor do que é hoje e a rua onde “votávamos” ficava complemente coberta por panfletos e santinhos de candidatos – que eu gostava de colecionar, como figurinhas – ao ponto de não enxergarmos o chão. Para mim era uma visão impressionante!

 

Então, desde essa época, da remota infância, quando nem urna eletrônica existia ainda, eu adorava marcar “x” para minha mãe e avó, num candidato que quase sempre era eu mesmo quem escolhia. Falando em urna eletrônica, quando essa surgiu, foi uma das coisas mais incríveis que tinha visto até então. Digitar os números e poucas horas depois já sabia quem tinha vencido. Para mim, aquela era como uma caixinha mágica.

 

“Como podem, duas adultas colocar uma decisão importante nas mãos de uma criança?”, alguns estão pensando. Por favor, um pouco de compreensão! Levem em consideração que foram mulheres de outra época, com uma outra criação. Mulheres que em um país como o Brasil, tinham preocupações muito mais urgentes e tangíveis do que quem vai ser o próximo rosto no noticiário. E entre nós, se os adultos são tão insinceros, será que confiar no instinto infantil é tão ruim assim? Acho que todos os pais deveriam ouvir os filhos antes de escolher seu candidato. Eu certamente farei isso quando tiver os meus.

 

Mas falava do fim da festa. Passei os três meses de campanha reclamando do horário eleitoral obrigatório – que empurrava minha novela para meia hora mais tarde –, da sujeira nas ruas, da poluição visual, dos carros de som, da hipocrisia dos candidatos, da burrice de alguns eleitores (e da ingenuidade de outros)... Como somos contraditórios nós, seres humanos! Três meses reclamando e agora, que acabou, sinto falta!

 

Confesso, sou fascinado por essa coisa de “festa da democracia”. Não é, sejamos justos, aquela democracia que falavam os iluministas, mas é o que temos para hoje. Gosto de pensar nela como uma democracia darwiniana. Nós participamos, nós votamos, mas no fundo, o mais bem adaptado é quem fica com o poder.

 

Devo ao tangará grande parte da minha concepção de como funciona as eleições em uma democracia darwiniana. Outro dia, enquanto cultivava um pouco de ócio contemplativo assistindo um desses documentários sobre a Mata Atlântica, descobri que esse simpático passarinho de plumagem azulada tem uma forma curiosa de se acasalar. Para tanto, os machos organizam-se em uma espécie de fila: um por um, executam uma acrobática dança e depois retornam ao final da fila para aguardar sua vez de apresentar-se de novo. A fêmea escolhe como parceiro o pássaro que executou a melhor performance. É uma cena bonita de se ver mesmo pela tevê. Fiquei fascinado com a organização e educação dos simpáticos passarinhos, que esperam o concorrente terminar antes de começarem sua própria apresentação e resolvem uma questão importante como a perpetuação da espécie com uma competição de dança – ao invés das bicadas vis de outros pássaros ordinários.

 

É certo que nossos políticos não são tão simpáticos e educados como os pequenos tangarás, mas a semelhança com as nossas eleições é óbvia: um a um, apresentam-se na televisão em sua mais bela forma. Revezam-se em exibir todo seu canto e boa imagem no horário nobre por três meses. Após esse período, o candidato que faz melhor a côrte ganha o direito de penetrar na cloaca do eleitorado.

 

Quando então observo nosso cenário político desta forma macro, o resultado dessa última eleição me parece muito mais previsível e muito menos trágico. O vencedor pode não ser o tangará mais honesto, mas certamente foi o mais performático. Compreende bem o rito pré-nupcial da espécie. Ganhou a vaga por seleção natural: não é o melhor nem o mais forte. É o mais adaptado ao meio, que no caso, são os jogos do poder.

 

Normalmente acusam-me de cínico quando digo que um grupo de corruptos unidos com um objetivo pode ser mais útil do que um idealista solitário. É uma ideia triste, admito. Mas gosto de pensar nela como realista. Dizem que política é para quem tem estômago. Concordo. E digo mais: política é como a natureza. Brutal. A savana tem suas próprias leis e mesmo um majestoso leão não vai muito longe sozinho.

 

É verdade que mesmo sabendo disso tudo, às vezes, quando assisto o telejornal, ainda me sinto como uma fêmea de tangará violada por um acrobata incompetente... Mas o que fazer? Nem mesmo a democracia darwiniana é perfeita.

 

tangará

Comentários

  1. Gostei muito do texto meu querido! Para nós que gostamos de política, eleições é um prato cheio. Me amarro nessa época! Mas dessa vez eu perdi e muitos ganharam em suas escolhas! Mas a vida e assim. Um perde-ganha constante!

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    1. Pois é, meu caro! Sempre acho estranho quando ouço alguém falar que não gosta de política! Somos ou não somos, afinal, "animais políticos"? Deveria estar no nosso instinto! É quase, sei lá, dizer que não gosta de sexo! rsrsrs

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