Conto da Velha Floresta

 

Certa vez vi uma menina entrar na Velha Floresta. Primeiro fiquei confuso. Seus movimentos eram fluidos, seus cabelos se juntavam a noite. Era um vulto branco e sensual se deslocando com leveza entre carvalhos e olmos. Pus-me a segui-la sem pensar. Rápido, adentrei pelos arbustos, tomado de encantamento e desejo. Não pensei de fato. Apenas fui. Senti o negror cobrir meu corpo e, guiado apenas pelas bruxuleantes luzes da mata, continuei, tateando o desconhecido. Meu coração poderia ter saído pela boca ou parado de bater. Nem ao menos teria me importado. Apenas precisava estar ali. Podia sentir sua presença. Sua respiração quase sussurrante. Seu cheiro entre as folhagens... posso jurar que cheguei a sentir seu cheiro. Mas por mais desesperada que fosse minha busca, meus olhos não podiam ver. Por muito tempo – não sei quanto, não importa quanto – fui um fantasma cego naquele mundo estranho. Perdi tanta substância que me juntei com a sombra. Éramos um só. Meu corpo estava em todo lugar.

 

Foi quando a senti.

 

Ela dançava. No circulo da lua vermelha, dançava movimentos inexplicáveis, frutos das fábulas e das lendas. Uma quimera, mergulhada em quintessência, tocava o chão tão suave que era como se flutuasse. Como se atraído pela luz, tentei me aproximar. Pensei que tocá-la seria como deitar-me em um tapete de estrelas... Mas fui traído pela minha própria vontade: ao ouvir a denuncia dos meus passos ansiosos, estacou-se no chão. Pude ver então seu olhar, apenas um único olhar: um olhar de mênade, carregado de embriaguez e euforia. Senti que minha vida toda estava ali. Três tempos em um só. Mesmo assim não pude fazer nada. Não pude ver o resto de seu rosto. Mas algo me diz que ela sorria. Sorria para mim quando virou as costas e sumiu pela floresta.

 

Procure-ia por toda parte. Desdobrei-me pelo breu. Mas, como se tragada pelo peso das árvores, desapareceu. E nunca mais há vi. Nunca mais.

 

In memoriam Mark Sandman 24 de setembro de 1952 3 de julho de 1999.

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