Coisa de mãe

Era Maricá, praia braba, oceânica. Naqueles dias a areia ainda era grande e branca. O mar um azul turquesa que só existe no verão.

 

A mãe estava pegando sol ao lado da barraca, acompanhada de outra mãe, amiga descartável da praia. Conversava com olhos atentos: o seu estava logo abaixo, brincando com as outras crianças na areia molhada, indo e fugindo das ondas.

 

“Não fica de costas para a onda!” gritava em alerta. “Não fico!”, respondia o filho quase sem pensar. Estava completamente imerso em suas importantes ocupações de engenheiros de castelos temporários, caçador de tatuís e colecionador de conchas. Havia um casal de irmãos da mesma idade e como criança solta logo se entende, antes de saberem os nomes uns dos outros os três já brincavam juntos.

 

“A onda, olha a onda! Presta atenção!”

 

“Tá bom!”, respondia envergonhado.

 

Então uma das crianças gritou “Que é aquilo lá?” e apontou para umas coisas pretas que entravam e saiam da água mais para dentro do mar.

 

Largou suas preciosidades e se esticou o máximo que podia para olhar.

 

“Baleias!”

 

Seguiram-se gritos idênticos das outras crianças. “Baleias, baleias, baleias!”

 

Eram no mínimo umas três barbatanas que entravam e saiam na água. A mãe levantou na mesma hora que percebeu o alvoroço.

 

“Cuidado! Não é tubarão não?”, já com os olhos arregalados.

 

Mas não era. Ele sabia que não era. Eram baleias. Se alguém, naquele momento, o tivesse olhado nos olhos notaria que eles brilhavam. Riu da preocupação boba da mãe. Tubarão não era assim! Não que ele já tivesse visto um tubarão. Mas tubarão não era assim. Também nunca tinha visto baleia. Então veio aquele borrifo, aquele jorrar de água acompanhado por pelo barulho tão característico desses grandes cetáceos. Já tinha visto na tevê. Tinham que ser baleiras. Baleias de verdade!

 

“É baleia!”, afirmou categórico.

 

Ainda desconfiada a mãe foi sentando de novo embaixo da barraca. Mas pela precaução natural da profissão de tempo integral, gritou mais uma vez:

 

“Não fica de costas para onda!”

 

Só que o filho, na ponta dos pés, estava tão fascinado com aquelas enormes criaturas tão próximas que só escutou conjunto de sons desconexos. Imediatamente virou-se.

 

“O quê?”

 

E tudo ficou escuro. O mar impiedoso o pegou pelas pernas e o arrastava pelas areias, para dentro. Claro, escuro, claro, escuro... o gosto de sal. E de repente, para o pequeno filho, o azul turquesa era negro. Sentiu medo. Pensou só na mãe que assistia.

 

Mas nesse momento um primo que tomava banho de mar ali perto entra na história para garantir o final feliz. Em poucos segundos já estava ele, com o priminho para fora d’água, erguido pelo pé, cuspindo água e areia. E vendo a risada do sobrinho, o coração da mãe voltou a bater, o sangue foi voltando para o rosto.

 

Em terra firme novamente, o filho foi andando até ela. Olho ardendo, nariz ardendo. Vê-la ali era um alívio maior que ser resgatado. Esqueceu até mesmo das baleias. Agora, só agora, sabia que estava tudo bem.

 

“Você se machucou? Tá tudo bem? Entrou água no ouvido? Bateu com alguma coisa?”

 

Ele quis abraça-la. Mas ficou com vergonha. As outras crianças pensariam que ele havia ficado assustado. É claro que ele não estava assustado.

 

“Não, não, tá tudo bem. Ele me tirou.”

 

Ela entendeu aquele olhar. Sempre entendia. Respirou fundo, aliviada, e falou:

 

“Eu não disse para você não ficar de costas para onda!”

 

baleias BW

 

Dedicado à Tônia Mára de Paula Bornéo, que confunde baleias com tubarões, mas há 26 anos não tira os olhos de mim.

Comentários

  1. Respostas
    1. Ohh, fico lisonjeado que minha crônica tenha despertado tal emoção! :-*

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    2. Ohh, fico lisonjeado que minha crônica tenha despertado tal emoção! :-*

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