Parla
, eu
pedia. Eram as palavras que amava mais que tudo. Aquele jeitinho de escolher os
vocábulos, aquelas frases pausadas, minuciosamente compostas, tudo para
me dar tempo de madurar um significado. Em vão: salvo uma expressão ou
outra, tudo que ela dizia era um grande mistério para mim. E mesmo presos
em universos linguísticos diferentes, quando nos conhecemos, foi paixão a
primeira vista.
Talvez
tenha sido o vácuo deixado pelas palavras não compreendidas que nos levou
inexoravelmente um até o outro – ou, quem sabe, aquela musical cadência
com a qual ela falava que me atraiu. Verdade seja dita, foi atração feroz. Eu
não falava italiano e ela nada entendia do português, nem havia outra língua
comum, dado meu vergonhoso monoglotismo. Mas bastou escutar – amei desde
o primeiro instante aquele falar adventício.
Seu
nome. Foi seu nome o que ouvi primeiro. Tinha um "Chi" quase
impossível para meu aparelho fonador. Repetia incessantemente apenas para vê-la
rir da minha pronúncia. Uma risada cristalina. Universal. E ao nos entregarmos
pela primeira vez, foi nesse fonema que tive mais prazer: eu dizia seu nome ao
pé do ouvido, como uma invocação; ela gemia palavras estranhas,
estrangeiras.
Muitas
vezes, com palavras, nossa comunicação falhava. A maioria delas, na
verdade. Ela dizia "No,
no, no!" e eu já sabia que havia entendido errado. Ríamos
juntos. Mas o que os vocábulos não diziam, nossos lábios entendiam. Frequentemente
falávamos através de nossos corpos – criamos nossa própria língua franca de
gestos e sensações.
Nada
sabia sobre ela, tão pouco ela sobre mim. Desconhecia sua história. O que fazia
nessas terras tropicais. Ou o que via num brasileiro comum, ordinário,
monolíngue. Só sentia. Seus desejos, seus anseios. Tornamo-nos
dependentes um do outro. Aquela fala me fazia falta como me faz o ar, a água.
Aquela altura, viciei-me em seu idioma.
Passávamos
todo tempo livre juntos até que finalmente veio morar comigo. Tentava me
ensinar italiano com as partes de seu corpo, mas eu errava de
proposito, só para ouvi-la me corrigir.
"Ripeto: La bocca... Il petto... La figa." "No, no, no! La verità è coscia!",
“Parla!”, eu
dizia. E queria mais. E embriagava-me no seu vocabulário.
Mas um
dia, lembro-me bem daquele momento, eu a flagrei falando português. E não um
balbuciar ininteligível: foi um português preciso, ardilosamente pensado.
Eu disse "Bravo!", mas no
fundo não gostei daquele som. No fundo me senti traído com aquela apropriação
linguística tão sorrateira.
Talentosa,
dedicada, cada vez arriscava mais palavras na minha língua. E acertava
mais. E por mais que sempre dissesse "In
italiano, per favore!", seu português não parava de melhorar.
Meu
italiano também já não era mais o mesmo. Por mais que resistisse, meu cérebro
teimava em traduzir o que eu ouvia... Os beijos eram apenas beijos. A boca era
apenas boca.
E
tivemos nossas primeiras brigas. E
quando na cama nos reconciliamos não foi "Più!" que ela sussurrou. E quanto mais perfeito era seu
português, menos eu a compreendia, menos a conhecia... E não tardou para não mais nos entendermos.
Sabia
que estávamos próximos ao fim. Mas foi só quando ela me disse "eu te
amo", com a mais perfeita das pronúncias, que tive certeza que estava
acabado: não falávamos mais a mesma língua.
:)
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