A Menina e o Gigante a vapor

Em outro tempo, em outro lugar, havia uma Menina. Uma Menina que morava perto de um Bosque, um grande e belo bosque, cheio de árvores frutíferas, animais e flores coloridas. E o amava. Amava daquela forma que só as crianças são capazes de amar, aquela capacidade de ternura que o tempo vai levando, inverno após inverno.

 

Foi no fundo do Bosque, onde as árvores cresciam mais altas que o sol, que a Menina o encontrou: um gigante todo feito de metal. Tinha o tamanho de uma pequena árvore e pelo seu corpo havia dezenas de pistões e engrenagens à mostra. Na barriga, ou no lugar onde deveria ser a barriga, ficava uma fornalha, igualzinha as que a Menina tinha visto nas locomotivas a vapor.

 

Seus olhos eram fendas vazias, mas bem lá no fundo podia-se ver um brilho leve, opaco e triste. Teve então, a Menina, dó do Gigante, sozinho, abandonado naquele canto escuro do Bosque. Lembrou-se de como faziam para os trens funcionarem, juntou um pouco de lenha que estava espalhada a sua volta e pôs na “barriga” daquilo que parecia um monstro adormecido.

 

Imediatamente, chamas brotaram-se dentro da fornalha. Ouviu-se o barulho de engrenagens e das fendas dos olhos surgiu um brilho vivo, vermelho como o fogo. O chão começou a tremer enquanto a grande criatura se levantava. Folhas caíram e pássaros fugiram. Assustada, a Menina correu para esconder-se atrás de uma árvore, mas assim que chegou ao refúgio, ouviu uma voz metálica:

 

"Não tenha medo”, disse o Gigante. “Você salvou minha vida, então a partir de agora serei seu fiel servo."

 

Tímida, ainda relutante, foi deixando seu esconderijo movida principalmente por uma enorme curiosidade.

 

"Mas o que é um servo?", perguntou.

 

"Um servo é alguém que obedece todas as suas vontades como se fossem as próprias, sem questionar."

 

Aos olhos da Menina aquilo não parecia certo. Respondeu então:

 

"Humm... acho q não quero ter um servo, não. Mas podemos ser amigos, pode ser?"

 

"Mas o que é um amigo?"

 

Aquela pergunta a pegou de surpresa! A Menina nunca tinha parado para pensar o que era um amigo. Até porque, nunca tinha tido muitos amigos. Pensou, pensou, e finamente respondeu:

 

"Um amigo é alguém que nem sempre faz as suas vontades, mas sempre faz o melhor por você."

 

"Acho então que posso ser seu amigo, Menina!"

 

O coração da Menina alegrou-se e as válvulas do Gigante apitaram de tanta felicidade.

 

A Menina ouviu então a historia do novo amigo. O Gigante a vapor era um escravo. Havia sido construído apenas para obedecer aos caprichos dos homens. Um dia, cansado, decidiu refugiar-se no Bosque.

 

Juntos eles foram aos cantos mais distantes. Acompanhada pelo amigo Gigante, a Menina não precisava ter medo de nada.

 

Mas onde quer que fossem os animais fugiam assustados com o barulho que o Gigante fazia para se mover. Em pouco tempo, não se ouvia mais pássaros pelo Bosque. A Menina se entristecia, não entendia porque os animais tinham medo. Afinal, ele era bom! Era amigo dela! E era tão bom ter um amigo depois de tanto tempo só.

 

Só que a fome do Gigante era insaciável. Quanto mais o tempo passava, mais lenha ele precisava queimar para continuar funcionando. Finalmente, durante um dos seus passeios, ao notar uma sombra no rosto da amiga, o Gigante falou:

 

“Oh, Menina, Menina... você não deveria ter me salvado. Fui criado apenas para destruir. Cansado de consumir tudo que amava, escolhi esse Bosque para deixar de existir. Mas quando vi você, perdi a coragem. Porém se eu continuar irei cortar e queimar todo esse bosque que tanto ama e você acabaria me odiando.”

 

“Mas deve haver outro jeito! Outro combustível para você funcionar!”

 

Comovido com o empenho da Menina, o Gigante a vapor pensou. Teria sorrido se sua boca tivesse sido projetada para isso.

 

“Existe outra maneira.” disse. “Dizem que existe uma mágica secreta ainda mais poderosa do que a que mantem meu núcleo a vapor funcionando. Uma vez ativada, viverei para sempre, sem nunca mais precisar derrubar uma árvore sequer.”

 

“E como funciona?”

 

“Vou precisar de sua ajuda. Vá para casa e fique lá. Amanhã, quando voltar, estará acabado.”

 

A Menina foi embora, esperou e esperou. Esperou por uma noite interminável e chegou a pensar que o sol jamais nasceria. Mas o dia chegou e a Menina correu para o Bosque junto com os primeiros raios de luz. E não encontrou o que procurava.

 

Por horas e horas, correu por toda aquela imensidão. Olhou atrás de cada árvore, cada pedra. Mas não havia sinal de seu amigo.

 

Encontrou então as enormes pegadas do Gigante perto de um lago, um grande lago na parte central do Bosque. Ali elas sumiam. Ali a Menina sentou e chorou. E por muitos dias a cena se repetiu. Sempre que a saudade do Gigante apertava, corria até o lago e chorava enquanto buscava todas as boas lembranças que estavam guardadas no seu coração.

 

Foi então que antes que todas as suas lágrimas secassem, ouviu que os pássaros estavam cantando novamente pelo Bosque. Pôs a mão sobre o peito e, depois de semanas, sorriu: sentiu que a mágica havia funcionado. Nunca mais viu o Gigante que, no Bosque, viveu para sempre.

 

TinMan1 BW

Comentários

  1. Respostas
    1. Que bom que gostou! Pensei que para iniciar os trabalhos algo um pouco mais leve iria bem! :-)

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  2. Ele entendeu bem o significado de amigo, muito lindo :'}

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    1. É mais difícil que parece, né? Muita gente passa a vida sem entender.

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