A Barbearia

Costumava ir a uma barbearia, dessas bem tradicionais. Hoje em dia lugares assim são difíceis de encontrar – entraram em extinção nos anos 1990 graças ao metrossexual moderno e aos salões de beleza unissex. Imaginem então o quão grande foi minha felicidade quando numa tarde, voltando do almoço, deparei-me com uma dessas num cantinho esquecido, entre a Tijuca e a Praça da Bandeira.

 

Perto da porta um escudo do Vasco dividia espaço com um do América e adiante, dois homens compenetrados trabalhavam de jaleco branco. Tinha um piso xadrez, preto e branco, – nem de longe tão limpo quando dos salões de beleza – do tipo que se usava muito na década 1960, e uns bancos de couro com jornais e cadernos de esportes abertos. Nenhuma revista de fofoca. Sobre ele, um gato branco e muito sério dizia claramente que havia chegado primeiro.

 

Era uma beleza! Não que eu tenha qualquer coisa contra salões, mas o clima de uma barbearia é incomparável. Ao entrar, notam-se logo duas diferenças. A primeira é a austeridade. Ao invés do falatório, costuma imperar um silêncio cortado apenas pela ação das tesouras – a exceção fica para os dias de jogo. A segunda diferença é o odor: ao invés do típico cheiro de químicas capilares, o ar em uma autêntica barbearia é sempre impregnado por uma mistura de creme para barbear e talco. Nunca tive um avô, mas se avôs têm um cheiro, deve ser esse.

 

Logo nessa primeira visita quem me atendeu foi o dono, Seu Fernando. Tornei-me cliente fiel. Vascaíno de poucas palavras e cabelos todos brancos, parecia filho de português. Manejava a tesoura como um escultor maneja um cinzel. “É uma arte”, dizia. “Não pode ser feito de qualquer jeito”. O corte era demorado e um tanto démodé para os dias de hoje, mas valia a pena pela conversa. Quando falava, Seu Fernando era um intelectual de opiniões simples, todavia profundas. Podia ser política ou o Campeonato Brasileiro, o homem tinha o dom da síntese. Aquela simpatia silenciosa que só os de mais idade costumam ter.

 

Uma beleza, a barbearia. Saía de lá sempre com sorriso no rosto e nem sei bem o porquê.

 

Sou assim mesmo. Nesse mundo digital, às vezes sinto-me um homem analógico. Enquanto todo mundo sai desesperado atrás do novo, tenho um apreço pelo antigo. Pelo velho. Já me disseram que nasci velho. Deve ser por isso.

 

BARBEARIA

Comentários

  1. Se pensar bem o antigo se torna novo. Afinal, como voc disse, encontrou um lugar raro de se achar.
    O antigo é fascinante porque é raro, porque é novo. Lindo texto! :'}

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    1. Verdade, Priscilla! Sempre tenho essa sensação, que o antigo se renova cada vez que é redescoberto. É o que mantém as coisas simples e belas sempre vivas! :-)

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