Por que ainda tenho amigos extremistas?
Muita
gente tem me perguntado por que eu ainda mantenho pessoas extremistas no meu Facebook. Geralmente respondo, não sem algum humor, que faço pelo
entretenimento gratuito. Isso não chega a ser uma completa mentira, afinal, dou
mesmo algumas boas risadas diárias com o grau de fantasia que algumas postagens
atingem. Mas tão pouco é esse o único motivo.
Bem
verdade, seria mesmo mais justo dizer que faço isso por vários motivos. Talvez
o primeiro deles seja porque reconheço a rede social do Zuckerberg como um
retrato, ainda que sob lentes distorcidas, da sociedade em que vivemos. Uma
lista de amigos diversificada é um apanhado, um exemplo por amostragem, de uma
cidade, país, até de um tempo.
Seria
muito fácil excluir e bloquear todos que pensam diferente de mim do meu perfil.
Mas eles continuariam existindo a minha volta. E mais que isso, eu perderia a
oportunidade de conhecê-los melhor. Já foi o tempo em que por trás de teorias
da conspiração estapafúrdias estava alguém estranho com um chapéu de papel
alumínio. Os característicos skinhead e KKK não tem mais o monopólio do
preconceito (nem nunca tiveram, essa é a verdade). Através desse "convívio
virtual" percebi que pessoas comuns, algumas com elevado grau de
instrução, compram essas ideias. Parece impossível como aquele seu colega do TI
sempre tão prestativo e atencioso escreve todos os dias discurso de ódio na
Internet. Ou como aquela crush maravilhosa acredita piamente nos planos
diabólicos da Nova Ordem Mundial para o controle global.
Uma olhada
no feed desses indivíduos é muitas vezes igualmente reveladora. Postagem
clamando morte aos comunistas, vídeos de violência policial e fotos de
criminosos mortos brutalmente são entremeadas pelos característicos posts de
gatinhos, receitas de cookie e mensagens de autoajuda tão típicos de 90% dos
usuários da rede. Não se surpreenda se um minuto depois da imagem de feto
ensanguentado você chorar glitter com vídeo de um filhote de panda postado pela
mesma pessoa.
Qual a
grande lição que tiro disso? Por mais que as vezes não queiramos admitir, os
extremistas não são tão diferentes de nós. São pessoas comuns, com belas esposas,
filhos queridos, cachorros amorosos e gatos mal-humorados. Estão sentados do
nosso lado na condução matinal ou o dia inteiro no trabalho. Estão na sua
igreja, mesa de bar, time de pelada. Estão na sua família.
Mas
então, não é perigoso que todo esse ódio se converta em violência real e
física? Minha experiência tem me dito que normalmente não. Ao menos
individualmente. A maioria vai descarregar sua frustração incontida nas redes
sociais, mas vai se limitar a propaganda. O problema é que a Internet pode não
ter inventado, mas organizou pela primeira vez a ignorância. E quando essas
pessoas se juntam, aí sim, o comportamento de matilha pode ser catastrófico.
Isso ajuda um pouco a entender como sociedades inteiras caminharam do desespero
para a barbárie após comprarem ideias monstruosas como a tábua de salvação.
E esse é
mais um motivo pelo qual os mantenho por perto. Se eu desisto dessas pessoas,
se admito que para seu discurso cheio de ódio e preconceito não há remédio, que
tipo de humanista eu sou? É muito fácil assumir que sou melhor que eles. Mas
somos feitos do mesmo barro. Se eu nego o potencial dessas pessoas para a
compaixão, não estaria negando minha própria compaixão?
Não é
fácil, não vou mentir. Meu estômago ainda se revira, meu sangue ainda ferve com
algumas das piores postagens. Por alguns segundos, quero xingar, humilhar,
ofender... Mas então eu lembro: de que adiantaria? Que bem a sociedade esse meu
alívio temporário traria? Nessas horas eu respiro fundo e, se tiver disposição
naquele momento, mostro educadamente outro ponto de vista. Sem ataques. Sem
bravatas. Não, não espere reciprocidade nessa compreensão. Mas não importa. Não
é por aplausos que você está debatendo. É maior que você.
Não
desista das pessoas. Por pior que sejam seus discursos, por mais ofensivos a
seus valores que eles possam lhe parecer. Quando você desiste de um ser humano,
está desistindo de lutar pela sociedade em que vive. Está endossando o mesmo
discurso de ódio da irrecuperabilidade que essas pessoas adotam. A barbárie
vence quanto o último perde a capacidade de ternura: combata o ódio com
compaixão. Educação muda o amanhã. Compaixão transforma o hoje.
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