casualidades

Por Vitor Bornéo

Todo o ardor tropical estava escondido naquela manhã. O tempo nublado, cinza, parecia dar outro ar à cidade. À meia luz, tudo ganha uma sobriedade madura, coisa de Velho Mundo. Como ele bem reparou as pessoas também parecem ficar mais bonitas quando o sol se esconde. Da janela, ia vendo os jardins encharcados. Sentia ali uma beleza doída. Queria explicá-la em palavras. Pensou em um ou dois versos. Esqueceu. Começou o Mar e Lua. Emocionou-se um pouco, voltou a pensar nos jardins. Então se deu conta que aquele céu não abriria nunca mais. Já Passou. Mas não passou. Persistiu. O jardim apodrecia com toda aquela umidade, aquele frio tuberculoso. Insalubre. Olhou o relógio, esqueceu a hora. Perdeu o tempo. Passo após passo, todos se enfileiravam para aquela visão da morte. Já tinha até esquecido do princípio quando ouviu. Ouviu, assim, como quem ouve um passarinho, quando já nem lembrava mais o que era ouvir. Ouviu um raio de sol. Um belo raio de sol. Um raio eterno, hipnótico. E tudo que era mal virou bom. E tudo que era bom virou mal. E o outono virou primavera. E a manhã entardeceu. E o tempo, finalmente, passou.

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